sábado, 9 de outubro de 2010

Medo

MEDO


O medo é a nossa luz vermelha. O nosso sinal de perigo. O sinal, que nos avisa que para além de determinado ponto — aquele em que o sentimos — está o desconhecido que pode ser perigoso.
O medo é uma herança biológica, está no nosso corpo e no nosso sangue da mesma forma como está nos outros animais. Mas devido ao nosso racionalismo, que cria interpretações culturais de todas as existências biológicas, o medo transformou-se num grande factor de organização social.
O medo alerta-nos sempre que atingimos um espaço que nos é desco-nhecido. Instintivamente é activado em nós um mecanismo de defesa, através do sistema nervoso, cujas alterações sensório-¬motrizes, imediatamente nos fazem actuar no sentido de nos protegermos ou defendermos.
Paramos sempre — excepto se o nosso movimento for superior à nossa capacidade de parar, e ai, ou caímos no acidente, ou respiramos de alivio — e observamos o que nos surge. Ou reconhecemos e avançamos; ou não reconhecemos e recuamos ou evitamos; ou sem alternativa, avançamos com cuidado à medida que vamos descodificando — corremos o risco, mas avançamos no desconhecido.
O medo apenas serve para nos protegermos dos perigos, garantindo a nossa sobrevivência e a preservação da espécie — pura natureza — mas para os humanos, cuja capacidade de raciocinar tudo alterou, o medo funciona também no campo teórico, em que, apesar das regras serem as mesmas, o envolvimento em que elas são aplicadas é muito mais complexo.
O medo psicológico é um medo que não nasce connosco, que não é importado pelos genes. É um medo que é criado na nossa mente através daquilo que aprendemos. E aquilo que aprendemos é acima de tudo aquilo que os outros nos querem ensinar. Porque nós só sabemos que podemos ter opções quando os outros nos ensinarem tal — a liberdade só existe porque alguém teve a nobre coragem de a ensinar (esperemos que não seja esquecida!).
O medo psicológico causa em nós as mesmas reacções biológicas. Temos as mesmas sensações e actuamos da mesma forma, protegendo-nos. A grande diferença é que o medo psicológico, como pode ser ensinado, pode ser falso. Nós podemos viver a vida inteira com medo de uma coisa que pode ser falsa, que não existe.
O medo é assim usado por uns para se sobreporem a outros, sendo um dos factores predominantes nos jogos de poder. O ciclo que se gera torna os mais ousados, que sem medo saltam no desconhecido, mais poderosos para dominarem os menos ousados, que com medo se protegem nas suas conchas falsas, tornando-se vicioso e ilimitado. Existirá pelo menos enquanto o desejo de poder de uns sobre os outros existir.
O facto de sentirmos medo não significa que estamos perante o perigo, mas sim perante o desconhecido, que pode ser perigoso ou não. À medida que vamos avançando no desconhecido vamos perdendo o medo porque vamos eliminando o perigo, eliminando-o realmente se ele existir, ou eliminando a hipótese dele existir quando não existe. Assim, o medo que sentimos perante o desconhecido, justifica-se pelo facto de não sabermos se o desconhecido é perigoso ou não, e hipoteticamente todo pode ser perigoso.
O perigo existe tanto no desconhecido como no conhecido. Simples-mente no conhecido evita-se ou protege-se (a alta voltagem fulmina-nos, mas usada com regras é-nos muito útil). E no desconhecido, como não sabemos o grau de perigosidade que pode existir, não o podemos evitar ou proteger. Só evitamos um acidente porque não sabemos o que dele pode resultar, e que nos pode ser fatal. Se conhecêssemos todas as consequências de um acidente, não teríamos medo dele, e naturalmente deixaria de ser um acidente, ainda que fosse a coisa mais absurda.
Assim, o medo só existe porque nós não conhecemos tudo. O conhecimento — psicológico — ou a experiência – instintiva — são os antídotos contra o medo. Mas o medo existirá sempre porque nós nunca teremos o conhecimento e experiência de tudo, porque continuamos permanentemente a nascer, e a morrer.