sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mentira

MENTIRA


Para mal de muitos e bem de outros tantos, a mentira é uma existência tão real quanto a verdade. Mentira e verdade são as duas faces da mesma moeda, uma sem a outra não existe.
A mentira entende-se normalmente pela forma caracterizada por La Palisse como sendo “aquilo que não é verdade”. Mas a mentira é muito mais que isso.
Existe a realidade, que é tudo o que existe independentemente do nosso conhecimento e compreensão, e existe a mentira e a verdade, que são as duas formas de nós descrevermos a realidade.
Um facto concreto simples é fácil de descrever. Se a descrição for feita numa linguagem compreensível e coincidente com esse facto, isso é uma verdade. Pois quem não o presenciou pode ter conhecimento exacto dele através da linguagem. Mas se a descrição for feita igualmente numa linguagem compreensível, mas de forma não coincidente, isso é uma mentira, pois quem não o presenciou não teve conhecimento do mesmo, e por agravante, teve conhecimento de um facto que não foi real.
A mentira é assim, uma descrição incorrecta da realidade, que pode ser total ou parcial, da mesma forma que a verdade é uma descrição correcta da realidade. Assim, para existir a mentira, como a verdade, é necessária a existência de uma linguagem. Sem linguagem é impossível mentir. Desta forma, só os humanos são capazes de mentir como de falar verdade porque só eles possuem linguagem. Linguagem que apesar de muitas fórmulas produzida, e sempre um conjunto de símbolos que reunidos e compostos, são capazes de descrever de uma forma teórica, uma realidade concreta. E por ser possível descrever teoricamente uma existência real, também é possível descrever o que não existe.
A mentira, tal como a verdade, é fruto da linguagem que o homem inventou para teorizar tudo o que o rodeava. E as teorias que foram criando as verdades e as mentiras, desde as efémeras às milenares, tiveram origem nos seus autores, individuais ou colectivos, que por sua vez as criaram fundamentados em dois principais aspectos: o conhecimento da realidade, e o interesse na sua descrição. Quem não conhecer totalmente a realidade não a pode descrever total e correctamente, e, quem conhecer totalmente a realidade, mas lhe convier que não seja total e correctamente descrita, pelos mais diversos motivos, não a descreve total e correc-tamente.
Só há então uma fórmula de concluirmos se uma coisa é verdade ou mentira: testando nós próprios. Pondo à prova todos os conhecimentos que adquirimos e esclarecendo todas as dúvidas que se apresentam perante a nossa consciência.
Nenhum ser humano tem uma capacidade mental capaz de abarcar todo o conhecimento. Por isso, nenhum ser humano é capaz de conhecer toda a verdade. E ainda que conhecesse, essa verdade era só a verdade dele, a forma como tudo teorizava ou como descrevia a realidade. Mesmo ensinando a verdade a alguém, esse alguém teria por sua vez que a testar para a confirmar.
Assim, cada ser humano deve seleccionar as interrogações para as quais deseja encontrar respostas, que lhe sejam mais importantes para viver. E separar a verdade da mentira ao comparar a realidade com a sua própria consciência. A consciência está mais próxima da realidade quanto mais racional for. Quanto mais exacta for a descrição da realidade, maior é a verdade.
Ao acreditarmos em alguma coisa, aceitamos como verdade a descrição que alguém, definido ou não, nos faz da realidade. Como essa descrição não é por nós confirmada, porque nos limitamos a acreditar, podemos estar a ter como verdade uma coisa que é totalmente falsa, ou mentira.
Existem coisas que estão para além dos nossos conhecimentos, e que não conseguimos descrever correctamente. O facto de não as descrevermos correctamente não significa que sejam mentira ou verdade. Negar ou crer nesses factos não testados é errado. A evolução humana ensina-nos que cada vez vamos conhecendo mais a realidade, podendo cada vez mais fazer uma melhor descrição dela, de forma a sabermos cada vez mais o que é verdade e o que é mentira. No entanto, quanto maior for a nossa capacidade de descrever a realidade e encontrar a verdade, maior também será a nossa capacidade de a falsificar.
O homem é um ser dualista que apesar de buscar a verdade, tem a lenda, a fantasia, a imaginação, a realidade virtual, etc; como escapes de compensação quando a verdade é incómoda. Também cada um deseja conhecer o máximo possível a realidade, mas não a descreve totalmente, porque isso significa perda de poder. O poder é um dos maiores desejos humanos, que é conseguido com armas, A linguagem é uma arma que dá poder quer seja usada como verdade, quer seja usada como mentira.
Uma e outra, verdade e mentira, existirão sempre e enquanto existir linguagem e o homem para a usar.

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